Marcas de Terezinha

O evento ''Afetos, construções e narrativas na educação: a relação professor aluno'', primeiro encontro de Filhos de Terezinha, surgiu como inspiração e homenagem a partir da relação que Terezinha, que foi orientadora da Prof. Dra. Taís Bleicher, docente colabora da JIPsi, cultivou com seus orientandos. Aqui, expomos algumas narrativas que registram algumas marcas deixadas por Terezinha.

O evento ''Afetos, construções e narrativas na educação: a relação professor aluno'', primeiro encontro de Filhos de Terezinha, surgiu como inspiração e homenagem a partir da relação que Terezinha de Camargo Viana - que infelizmente faleceu recentemente - cultivou com seus orientandos e alunos. Terezinha foi orientadora da Prof. Dra. Taís Bleicher, docente colaboradora da JIPsi, de quem surgiu o desejo maior de criar o evento. 

Foto de Terezinha. Na imagem, Terezinha possui cabelos brancos, na altura do ombro, brincos brancos e um colar de pedras preto. Ela sorri de orelha a orelha na foto.

Terezinha

A JIPsi sedia esse primeiro encontro, e a intenção é que em anos posteriores ele aconteça em outras Universidades, a partir de outros que foram marcados pela pessoa singular que foi Terezinha.

A seguir, reunimos os relatos de dois de seus orientandos - ou, como dá nome ao evento, ''filhos'' - que mostram um pouco de como Terezinha cultivou com seus alunos relações carregadas de afeto e que geraram mobilizações internas e externas, com um evento em sua homenagem.

Professora Taís Bleicher, sorrindo. Mulher branca, cabelos escuros.

Depoimento da Profa. Dra. Taís Bleicher:

''O filósofo lituano Emmanuel Levinas defendia que a Ética era a Filosofia primeira. “É no face-a-face humano que se irrompe todo sentido. Diante do rosto do Outro, o sujeito se descobre responsável”. A experiência com o outro deve ser de acolhida e de hospitalidade. Mas, de que outro? É, fundamentalmente, no rosto do pobre, do estrangeiro, da viúva e do órfão que o outro se apresenta, em sua radicalidade e absoluta diferença, exigindo de nós, independente de como será essa experiência, uma postura de acolhida e de hospitalidade. “Nasce dentro do eu um desejo e uma amorosidade que possibilita a relação”.
Quando cheguei em Brasília, era eu a estrangeira. Pela primeira vez, residindo longe dos pais, em outra terra e cultura, com dificuldades diversas. Que marcas dessa experiência?
A ideia de marcas faz, necessariamente pensar, na Psicanálise, nos traços mnêmicos. Estes traços que se inscrevem no aparelho psíquico. E o que é o aparelho psíquico, que não a materialidade de um corpo?
De modo que, dentre as inúmeras lembranças lindas que tenho de Terezinha – a quem eu chamava de Terezíssima, compreendendo que, por mais carinhosa que fosse, ela era, superlativa, talvez uma que mais a representasse foi uma vez que adoeci.
Terezinha, a minha orientadora, me falou:
- Taís, não fique doente, sozinha, em casa. Venha para a minha casa.
É desta ética levianasiana de acolhida e amorosidade com o estrangeiro que estamos falando. Sendo que o cuidado se dá no corpo. E, portanto, nas memórias, deixando profundas marcas.
Falar do que está em jogo na relação professor aluno, da relação orientador orientando, é tratar da radicalidade da ética da alteridade. É ser conclamado a acolher a diferença. É ser conclamado ao amor.
Uma homenagem à Terezinha de Camargo Viana é um chamado à ética da alteridade e à amorosidade.
Para este evento, a organização da JIPSI me convidou a escrever um breve texto sobre Terezinha e o tema principal da segunda edição da JIPSI deste ano: marcas e cicatrizes. Pensando em Terezinha, poderia falar de inúmeras marcas. De cicatrizes, nenhuma.''

Imagem do Professor Doutor Marcelo Britto, homem branco de barba e cabelo escuros. Foto de frente, e ele dá um leve sorriso.

Depoimento do Prof. Dr. Marcelo Britto:

''Motivos não faltam para recordar e celebrar a nossa querida professora orientadora Terezinha de Camargo Viana, homenageada da noite. Terezinha era, realmente, uma figura notável.

Terezinha era singular não apenas pela sua rara erudição, vasto repertório acumulado que permitia a ela transitar, com leveza e naturalidade, entre os clássicos do pensamento e da arte nos últimos 2 mil ou 3 mil anos de história no ocidente. Era muito bom ouvi-la falando dos clássicos, ter contato com algumas dessas obras com acessos oportunizados por ela.

Outro traço marcante de Terezinha eram os diálogos interdisciplinares riquíssimos que ela estabelecia, a partir da Psicanálise, com a Sociologia, com a Antropologia, com a História e com a Teoria Literária em especial. Desses diálogos para além das fronteiras disciplinares, Terezinha deixa como legado contribuições bastante originais quanto às relações entre Psicanálise, Clínica e Cultura, com destaque para os estudos sobre modos de subjetivação na modernidade e na contemporaneidade.

É verdade que eu admirava profundamente a rara erudição e a abertura disciplinar que encontrei em Terezinha, conquistas intelectuais que, finalmente, pavimentaram sua chegada ao topo da carreira acadêmica como Professora Titular de uma das principais universidades brasileiras, a Universidade de Brasília.

Mas o que mais me comovia em Terezinha, o que nela me conquistou de forma definitiva e permitiu a nossa colaboração, foi aquela qualidade que está disponível para todas e todos nós, acadêmicos ou não, qualidade porém tão em falta no mundo: a mencionada pela profa. Taís Bleicher “ética da alteridade”.

Quando cheguei ao mestrado em Psicologia na UnB vindo de uma graduação em outra área, propondo uma perspectiva histórica que colocava lado-a-lado os estudos de Freud e Jung sobre os sonhos – tipo de investigação pouco comum no campo psicanalítico – Terezinha abraçou a alteridade e, com o afeto e o acolhimento que caracterizavam sua atuação como orientadora, garantiu as condições necessárias para que a pesquisa pudesse ser realizada da melhor forma. E por essa abertura à diferença que permite o encontro, inspiração para um novo pacto civilizatório tão necessário, sou especialmente grato a você, minha querida professora orientadora Terezinha de Camargo Viana.''